História: Memória e Simbologia

A Guerra Civil Americana
Entre 1861 e 1865 ocorreu a Guerra Civil Americana - também conhecida como Guerra de Secessão. De um lado havia a maior parte dos Estados da União, interessada em abolir a escravatura e dar uniformidade a um projeto de desenvolvimento econômico, pautado na industrialização. Do outro lado, formaram-se os Estados Confederados da América, interessados em se separar do restante da federação e manter de uma sociedade que em muito se assemelhava ao Brasil Colonial: monocultura, latifúndio e trabalho escravo. Além dos aspectos econômicos, o que esteve em jogo ao longo de toda essa Guerra Civil foi a idealização de um novo modelo de civilização. O pensador Karl Marx chegou a afirmar que essa guerra seria como um divisor de águas para a Esquerda; o proletariado branco deveria apoiar a luta dos negros pela emancipação. Se esse apoio se concretizou ou não, isso é assunto para um outro momento. Imigração Estadunidense Durante a Guerra e sobretudo após o seu desfecho, milhares de confederados fogem dos EUA com destino à América do Sul. Santa Bárbara D’Oeste e Americana são exemplos de cidades que se formaram a partir dessa leva de imigrantes. A primeira bandeira oficial dos Confederados foi esta:
A bandeira a seguir, mais popularizada na atualidade é a Bandeira de Batalha. As treze estrelas representam os Estados que faziam parte da Confederação:
A ostentação da bandeira de batalha é objeto de debates acalorados e polêmicas até o presente dia. Como já mencionado anteriormente o que estava em jogo na Guerra Civil eram os projetos políticos ou modos de vida que dariam molde a uma nação pelos próximos anos. Essa bandeira foi "ressucitada" e muito mais utilizada nas décadas de 1940 a 1960, não por coincidência o período no qual a população afro-americana lutava para conquistar Direitos Civis e o governo federal estava implementando medidas para cabar com a segregação racial. É importante frisar que que esta bandeira está diretamente associada à supremacia branca e a escravidão, representando o interesse de parte da populão branca em manter a segregação e preservar seus privilégios dentro de uma hierarquia racial.
No final dos anos ’40, a bandeira foi adotada como um símbolo dos Dixiecrats – um partido político devotado, entre outras coisas, a manter a segregação. Eles também se opuseram às propostas do Presidente Harry S. Truman para estabelecer leis anti-discriminação e tornar linchamento um crime federal.
The Huffington Post
[John M.] Coski escreve que embora os Dixiecrats tenham rapidamente caído no obscurantismo, suas campanhas ‘tornaram a bandeira um acessório em lugares onde ela teria sido apenas uma novidade anteriormente. ’ Coski dá o exemplo da Universidade do Mississipi, onde ele observa que raramente se usou a bandeira de batalha como um símbolo até 1948. Ele diz que a universidade começou a incorporar pesadamente o símbolo em atividades escolares e eventos alguns meses após os estudantes terem protestado contra as propostas de direito civil do Truman.
The Huffington Post Isso quer dizer que a bandeira, ao contrário do que é afirmado por pessoas que ostentam este símbolos ainda hoje, não diz respeito apenas a uma herança ou página de sua história a ser lembrada. Não se trata meramente de uma ressignificação. Trata-se de racismo, supremacia branca, ódio racial, segregação. Em 1962 a universidade recebeu o primeiro estudante afro-americano, James Howard Meredith.
Existem outros exemplos, como o da integração da bandeira confederada à bandeira do Estado da Geórgia em 1956 – por motivações raciais e, em de 1963 onde o governador do Alabama, George Wallace, ergueu a bandeira sobre o Capitólio do Estado em protesto contra a desegregação. Charleston, Junho de 2015 Charleston, uma cidade localizada no Estado da Carolina do Sul, foi palco de um dos maiores atentados da História dos EUA. Dylann Roof adentrou a Igreja Episcopal Metodista Africana de Emanuel e matou nove pessoas a tiros, incluindo o reverendo e senador estadual Clementa C. Pinckney.
A princípio os investigadores tentavam definir se era um crime de “terrorismo doméstico” ou “crime motivado por ódio”. O manifesto de Dylann, publicado parcial ou integralmente em jornais, somado a fotos e outras evidências deixa explícita as motivações racistas do crime. Inclusive, após o ato, recebeu a solidariedade de grupos que defendem a supremacia branca.

Onde o Brasil se encaixa nessa história? Todos os anos, os ditos descendentes de confederados promovem a Festa Confederada. Segundo Asher Levine, correspondente de notícias da agência Reuters, a festa revive aspectos da cultura sulista dos EUA, expressos na música, dança e culinária. A bandeira confederada hasteada no Brasil é vista por eles mais como “um símbolo étnico" do que político. Acrescenta que o ocorrido em Charleston tem sido abordado no Brasil tanto mais como um problema de controle de armas quanto uma questão racial. Todo o simbolismo da bandeira parece ter sido perdido em terras brasileiras, ao longo de gerações. O que você, leitor, acha?

 
[Peter Burke] A função do historiador é lembrar a sociedade daquilo que ela quer esquecer.
Não foi uma coincidência a fuga de Confederados, derrotados, ao Brasil quando se pensa nas condições históricas nas duas sociedades (política, economia, cultura, pensamento racial e mentalidades).  Também não foi coincidência a criação da Klu Klux Klan - uma organização terrorista formada por ex-confederados no ano de 1865, após a Guerra de Secessão. Anos depois, em 1871 criação da Associação Nacional de Rifle (NRA). 

O objetivo da KKK era óbvio (e indefensável). Mas e a NRA? Que princípios defendia?

 Institucionalmente, a proteção da Segunda Emenda da Constituição dos Estados Unidos e o direito ao porte de armas de fogo, auto-defesa e caça. Dado o contexto e que foi fundada, pergunta-se: este direito foi extendido e garantido aos escravos libertos e indígenas (Native American)? Apesar de haver fontes que defendem que a NRA chegou até mesmo a lutar ao lado de escravos libertos contra os soldados confederados, colocando-a "a mais longa organização de direitos civis na história dos EUA", o que se observa é que não apenas a NRA não tinha interesse na proteção de ex-escravizados mas literalmente deu poder de fogo a supremacistas brancos. 

 EUA, JANEIRO DE 2021 

 No dia 06 de Janeiro de 2021 o Capitólio foi invadido. Trump, em Dezembro de 2020, a partir de sua derrota nas urnas, havia prometido "um protesto selvagem" no começo do ano. A última vez que o Capitólio havia sido invadido foi em 1814, pela Grã-Bretanha, a partir da Camapnha de Chesapeake, numa tentativa de reconquistar sua colônia. A invasão resultou o incêndio do Capitólio e diversos edifícios governamentais e militares. Havia diversos manifestantes dos quais muitos foram identificados e presos, enquadrados num ato de "terrorismo doméstico" ostentando, entre diversos símbolos, bandeiras confederadas, camisetas e bottoms.

EUA, JANEIRO DE 2025

 Após a derrota em 2020, Donald Trump venceu as eleições de 2024. O governo de Donald Trump está ligado diretamente à expansão e ascensão do ultraconservadorismo e extrema-direita nos EUA. Estes movimentos, radicalizados, podem ser observados e articulados em outros países. Tanto em 2024 quanto em 2025 ocorreram marchas onde participantes usam bonés com o slogan "MAGA" (Make America Great Again) mas também havia participantes ostentando bandeiras, camisetas e bottoms com a bandeira confederada. 

Considerações "finais"

 Este artigo originalmente publicado no dia 04 de Julho 2015, revisado em 2021 e recentemente, em Fevereiro de  2025 

O principal ponto deste artigo foi apresentar as condições históricas sob as quais essa bandeira foi e tem sido utilizada e levantar alguns questionamentos. 

1. Todas as pessoas que fazem uso destes símbolos confederados hoje são supremacistas brancos e possíveis terroristas domésticos? 

2. Existem artistas, bandas como Lynyrd Skynyrd e Pantera que fazem uso dessa bandeira. Ela também aparece em diversos filmes e documentários. 

3. Será que as pessoas têm conhecimento e entendem as implicações disso? Ou simplesmente não se importam? 

 Com base no texto e nas fontes apresentadas a seguir, a qual conclusão você, leitor, chega?



Sobre a História dos EUA, algumas indicações:

 ANDERSON, Kevin B. Marx at the Margins - On Nationalism, Ethnicity and and Non-Western Societies.  Chapter 3: Race, Class, and Slavery: The Civil War as a Second American Revolution. The University of Chicago Press. 

 JUNQUEIRA, Mary A. Estados Unidos – A Consolidação da Nação. Coleção Repensando a História. São Paulo. Ed. Contexto, 2001. 

 KARNAL, Leandro. História dos Estados Unidos. São Paulo. Editora Contexto, 2007. EISENBERG, Peter Louis. Guerra Civil Americana. São Paulo. Editora Brasiliense, 1982 

 
Vídeos:


TYT – The Young Turks – Racismo Perturbador por trás da Bandeira dos Confederados



 John Oliver, sobre o tiroteio em Charleston 



Jornais:







 












Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

Sobre Racismo e Suas Múltiplas Manifestações

Biografia de Stokely Carmichael - Ativista dos Direitos Civis (1941-1998)

A Falsa Abolição ou a Farsa da Abolição: O Dia 14 de Maio